Este sermão intitulado "O Sermão do Bom Ladrão", foi escrito em 1655, pelo Padre Antônio Vieira. Ele proferiu este sermão na Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), perante D. João IV e sua corte. Lá também estavam os maiores dignitários do reino, juízes, ministros e conselheiros. O que acho interessante é como ele é tão atual para realidade política brasileira, embora tenha sido proferido no século XVI.
O ladrão que furta para comer, não
vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são
outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera; os quais debaixo do
mesmo nome e do mesmo predicamento distingue muito bem São Basílio Magno. Não
só são ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão
banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente
merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e
legiões ou o governo das províncias, ou administração das cidades, os quais já
com mancha, já com forças roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do
seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se furtam, são enforcados,
estes furtam e enforcam. (...)
Conjugam por todos os modos o verbo rapio,
(...) Furtam pelo modo optativo, porque desejam quanto lhes parece bem; e
gabando as coisas desejadas aos donos delas por cortesia, sem vontade as fazem
suas. Furtam pelo modo conjuntivo, porque ajuntam o seu pouco cabedal com o
daqueles que manejam muito; e basta só que ajuntem a sua graça, para serem,
quando menos, meeiros na ganância. Furtam pelo modo permissivo, porque permitem
que outros furtem, e estes compram as permissões. Furtam pelo modo infinito,
porque não tem fim o furtar com o fim do governo, e sempre lá deixam raízes, em
que se vão continuando os furtos. Estes mesmos modos conjugam por todas as
pessoas; porque a primeira pessoa do verbo é a sua, as segundas os seus criados
e as terceiras quantas para isso têm indústria e consciência. Furtam juntamente
por todos os tempos, porque o presente (que é o seu tempo) colhem quanto dá de
si o triênio; e para incluírem no presente o pretérito e o futuro, de pretérito
desenterram crimes, de que vendem perdões e dívidas esquecidas, de que as pagam
inteiramente; e do futuro empenham as rendas, e antecipam os contratos, com que
tudo o caído e não caído lhes vem a cair nas mãos. Finalmente nos mesmos tempos
não lhes escapam os imperfeitos, perfeitos, plusquam perfeitos*, e quaisquer
outros, porque furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais,
se mais houvesse. Em suma, o resumo de toda esta rapante conjugação vem a ser o
supino do mesmo verbo: a furtar, para furtar. E quando eles têm conjugado assim
toda a voz ativa, e as miseráveis províncias suportado toda a passiva, eles,
como se tiveram feito grandes serviços, tornam carregados e ricos: e elas ficam
roubadas e consumidas... Assim se tiram da Índia quinhentos mil cruzados, da
Angola, duzentos, do Brasil, trezentos, e até do pobre Maranhão, mais do que
vale todo ele.
*nome de um tempo dos verbos que exprime coisa feita antes de outra também já
feita.

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