Ecclesia reformata et semper reformanda est (latim) - Igreja reformada em constante reforma
Quando penso na Reforma Protestante, em seu início com
Lutero lembro com certa saudade de um princípio pouco lembrado nos nossos dias –
o principio da igualdade de todos.
Quando escreve a ‘Carta à nobreza cristã
da nação alemã’ Lutero já se dirige as “autoridades seculares”, pois rompe
com a idéia de uma superioridade do clero sobre os demais, entendendo então que
não há diferença entre eles, exceto pelo cargo que desempenhavam. Há neste
ponto importante rompimento que nos serve de exemplo para que nós não lancemos
mão de nossas posições (ai digo um pouco aos líderes religiosos) para infligir
opressão sobre os demais.

O foco e fundamento dessa liberdade
estão na graça de Cristo e plena confiança nele em linha de uma desconfiança de
nós mesmos para a promoção da salvação, ou seja, dessa liberdade. De fato, não
somente para os que exercem liderança, mas a todos de modo geral, se faz
importante o exercício de sondar a si mesmo e seu coração para descobrir e
reconhecer a nossa obscuridade e impotência. O que nos levará a constatar a
dependência da graça de Deus e o abrigo de seu amor. Neste contexto, não há
espaço para auto-suficiência e auto-salvação por meio de esforços pessoais que
nos pode levar a um sentimento de arrogância, sobretudo em relação aos caídos e
marginalizados. Temos na pessoa de Cristo alguém que libertou para proteger,
incluir e amar e não para marginalizar e desprezar o próximo. Neste
reconhecimento de que estamos em igual condição somos desafiados a nos abrir ao
próximo, sem distinção em atitude fraterna.
Um outro destaque importante, está
para o movimento denominado devotio moderna (Lutero bebeu dessa
fonte) que possui princípios preciosos a
serem copiados por todos os cristãos que se expressa numa vida exposta à
transformação pessoal e comunitária, o desprezo pelos bens passageiros desse
mundo, crítica a Igreja secularizada, apego às Escrituras e a busca por
intimidade com Deus. Princípios esses que evitam a manipulação da fé por parte
dos clérigos. Vemos nisto um grande princípio
de responsabilidade de cultivar um bom caráter. Importante ressaltar que a
busca pelo exercício desses princípios não constituem uma via para santificação
nem para a justificação diante de Deus, mas é uma busca motivada tão somente
para agradar a Deus.
Logo, a prática de boas obras não
são para a salvação, mas são fruto da liberdade concedida por Cristo que nos
posiciona uma dinâmica de uma espiritualidade que nos liberta para um
compromisso verdadeiramente solidário. Sendo o cristão um servo a serviço de
todos e a todos sujeito, ele assim procede no serviço ao próximo, lembrando que
assim também Deus o socorreu quando se encontrava necessitado da sua graça. As
obras são uma resposta ao amor de Deus fazendo com que o cristão não viva para
si mesmo, mas viva em Cristo e no seu amor pelo próximo. É a espiritualidade, a
fé sendo legitimada por atos concretos de amor em direção ao próximo.
Essa
dinâmica gerada pela liberdade. É o grande desafio para todos os cristãos,
sobretudo os que se encaixam dentro da tradição protestante, de contribuir (ou,
melhor ainda, servir) para edificação de uma igreja reconciliadora de braços
abertos para cumprirem a cabo a sua tarefa missionária de maneira integral. Uma
igreja, então, constituída de indivíduos/membros livres, inconformados,
críticos e, por conseqüência, incômodos para o sistema. Membros comprometidos
com a denúncia, com a justiça, reconciliação e com a paz, próprias do Reino de
Deus; que se distancia de discursos abstratos e se envolva na prática de Jesus
de Nazaré e dos profetas.
Voltando
ao ponto do princípio de igualdade, segundo Lutero, Bispos e demais
autoridades da igreja devem ser servidores dela, cuidando da comunidade pela
pregação do Evangelho com cuidados pastorais. Mas este princípio de igual modo
deveria ser seguido por autoridades seculares que devem pensar não só em seu
benefício pessoal, mas no geral da comunidade e interesse dos que estão sob sua
responsabilidade, tal como Cristo agiu para conosco. Cabe aqui um destaque ao princípio da humildade em que Lutero ressalta a
necessidade de se escutar também “os menores”. Necessário era escutar a todos e
esperar para ver por meio de quem Deus quer falar e atuar. No tocante ao princípio de justiça uma frase resume
bem o pensamento de Lutero “Se não consegue castigar a injustiça sem cometer
uma injustiça maior, que renuncie a seu direito, por mais justo que seja”. Com
isso temos um princípio que nos põe a refletir e nos ensina que às vezes, para
o bem de muitos, devemos abrir mão de algo que para nós individualmente seria
justo.
Por fim, uma última convicção de
Lutero era que a autoridade da igreja consiste em fazer Cristo
conhecido no mundo, não devendo esta exigir dos fiéis uma fé nela mesma. Com
isso a hierarquia, a liderança não deveria se apossar da vida dos fiéis, mas
comunicar a liberdade que há pela graça concedida por Deus em Cristo Jesus.
Outro texto interessante deste blog que de certa forma tem a ver com este assunto: AOS QUE FALAM ANTES DE OUVIR NA TEOLOGIA
"Liberdade significa responsabilidade, é por isso que a maioria das pessoas a teme" George Bernard Shaw
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