27/06/2012

ECCLESIA REFORMATA ET SEMPER REFORMANDA EST - REFORMA PROTESTANTE

Ecclesia reformata et semper reformanda est (latim) -  Igreja reformada em constante reforma



            Quando penso na Reforma Protestante, em seu início com Lutero lembro com certa saudade de um princípio pouco lembrado nos nossos dias – o principio da igualdade de todos. Quando escreve a ‘Carta à nobreza cristã da nação alemã’ Lutero já se dirige as “autoridades seculares”, pois rompe com a idéia de uma superioridade do clero sobre os demais, entendendo então que não há diferença entre eles, exceto pelo cargo que desempenhavam. Há neste ponto importante rompimento que nos serve de exemplo para que nós não lancemos mão de nossas posições (ai digo um pouco aos líderes religiosos) para infligir opressão sobre os demais.
            Mas também devemos salientar o princípio da liberdade cristã, uma liberdade universal, interna, espiritual do cristão em virtude da fé. A reforma, protagonizada por Lutero, é acima de tudo a promulgação da liberdade. Por isso quando se fala de Sola gratia temos a libertação do legalismo; quando se fala de sola Scriptura deve-se ter em mente a libertação do autoritarismo dogmático; sacerdócio de todos os fiéis liberta-nos do clericarismo (que ocorre quando se tem muito fortemente um hierarquia no clero); e ter uma igreja reformada em constante reforma nos liberta do tradicionalismo estático.
            O foco e fundamento dessa liberdade estão na graça de Cristo e plena confiança nele em linha de uma desconfiança de nós mesmos para a promoção da salvação, ou seja, dessa liberdade. De fato, não somente para os que exercem liderança, mas a todos de modo geral, se faz importante o exercício de sondar a si mesmo e seu coração para descobrir e reconhecer a nossa obscuridade e impotência. O que nos levará a constatar a dependência da graça de Deus e o abrigo de seu amor. Neste contexto, não há espaço para auto-suficiência e auto-salvação por meio de esforços pessoais que nos pode levar a um sentimento de arrogância, sobretudo em relação aos caídos e marginalizados. Temos na pessoa de Cristo alguém que libertou para proteger, incluir e amar e não para marginalizar e desprezar o próximo. Neste reconhecimento de que estamos em igual condição somos desafiados a nos abrir ao próximo, sem distinção em atitude fraterna.
            Um outro destaque importante, está para o movimento denominado devotio moderna (Lutero bebeu dessa fonte) que possui princípios preciosos a serem copiados por todos os cristãos que se expressa numa vida exposta à transformação pessoal e comunitária, o desprezo pelos bens passageiros desse mundo, crítica a Igreja secularizada, apego às Escrituras e a busca por intimidade com Deus. Princípios esses que evitam a manipulação da fé por parte dos clérigos. Vemos nisto um grande princípio de responsabilidade de cultivar um bom caráter. Importante ressaltar que a busca pelo exercício desses princípios não constituem uma via para santificação nem para a justificação diante de Deus, mas é uma busca motivada tão somente para agradar a Deus.
            Logo, a prática de boas obras não são para a salvação, mas são fruto da liberdade concedida por Cristo que nos posiciona uma dinâmica de uma espiritualidade que nos liberta para um compromisso verdadeiramente solidário. Sendo o cristão um servo a serviço de todos e a todos sujeito, ele assim procede no serviço ao próximo, lembrando que assim também Deus o socorreu quando se encontrava necessitado da sua graça. As obras são uma resposta ao amor de Deus fazendo com que o cristão não viva para si mesmo, mas viva em Cristo e no seu amor pelo próximo. É a espiritualidade, a fé sendo legitimada por atos concretos de amor em direção ao próximo.
            Essa dinâmica gerada pela liberdade. É o grande desafio para todos os cristãos, sobretudo os que se encaixam dentro da tradição protestante, de contribuir (ou, melhor ainda, servir) para edificação de uma igreja reconciliadora de braços abertos para cumprirem a cabo a sua tarefa missionária de maneira integral. Uma igreja, então, constituída de indivíduos/membros livres, inconformados, críticos e, por conseqüência, incômodos para o sistema. Membros comprometidos com a denúncia, com a justiça, reconciliação e com a paz, próprias do Reino de Deus; que se distancia de discursos abstratos e se envolva na prática de Jesus de Nazaré e dos profetas.
            Voltando ao ponto do princípio de igualdade, segundo Lutero, Bispos e demais autoridades da igreja devem ser servidores dela, cuidando da comunidade pela pregação do Evangelho com cuidados pastorais. Mas este princípio de igual modo deveria ser seguido por autoridades seculares que devem pensar não só em seu benefício pessoal, mas no geral da comunidade e interesse dos que estão sob sua responsabilidade, tal como Cristo agiu para conosco. Cabe aqui um destaque ao princípio da humildade em que Lutero ressalta a necessidade de se escutar também “os menores”. Necessário era escutar a todos e esperar para ver por meio de quem Deus quer falar e atuar. No tocante ao princípio de justiça uma frase resume bem o pensamento de Lutero “Se não consegue castigar a injustiça sem cometer uma injustiça maior, que renuncie a seu direito, por mais justo que seja”. Com isso temos um princípio que nos põe a refletir e nos ensina que às vezes, para o bem de muitos, devemos abrir mão de algo que para nós individualmente seria justo.
            Por fim, uma última convicção de Lutero era que a autoridade da igreja consiste em fazer Cristo conhecido no mundo, não devendo esta exigir dos fiéis uma fé nela mesma. Com isso a hierarquia, a liderança não deveria se apossar da vida dos fiéis, mas comunicar a liberdade que há pela graça concedida por Deus em Cristo Jesus.

Post fruto de uma reflexão pessoal após a leitura do provocante capítulo 5 do Livro: Segura C, Harold. Além da Utopia, liderança servidora e espiritualidade cristã. Curitiba: Encontro Publicações, 2007.

Surpreenda-se: ECCLESIA REFORMATA ET SEMPER REFORMANDA EST - CONCÍLIO VATICANO II     VIVA AOS 495 ANOS DA REFORMA PROTESTANTE
Outro texto interessante deste blog que de certa forma tem a ver com este assunto: AOS QUE FALAM ANTES DE OUVIR NA TEOLOGIA

Um comentário:

  1. "Liberdade significa responsabilidade, é por isso que a maioria das pessoas a teme" George Bernard Shaw

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