OBADIAS, POR UMA FRATERNIDADE SOLIDÁRIA.
Artigo apresentado na matéria de História da Literatura Bíblica (pós graduação em Teologia Bíblica e Sistemática Pastoral do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil)
Artigo apresentado na matéria de História da Literatura Bíblica (pós graduação em Teologia Bíblica e Sistemática Pastoral do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil)
INTRODUÇÃO
O texto escolhido
para o presente artigo é o Livro do Profeta Obadias. Na percepção do autor este
texto, muito pouco explorado pelas comunidades eclesiásticas, é embebido de
muita história, profundo em suas lições apesar de tão pouco presente nos
púlpitos dos ajuntamentos cristãos.
O texto
basicamente trata de uma profecia contra Edom, mas sua abrangência não se
restringe somente a este povo, pois no verso 15 o dia do Senhor vem para todas
as nações. Logo, qual é a mensagem de Obadias para nós hoje?
Outras questões
também estão presentes em Obadias tais como; Qual é, segundo o autor, a origem
das desgraças? Qual é o escândalo e a denúncia do profeta? Qual é a expectativa
que o escritor tem de uma justiça divina diante das más relações entre os
povos?
UM BREVE HISTÓRICO DA RELAÇÃO ENTRE ISRAEL E EDOM
Antes de
entrarmos no livro de Obadias se faz necessário rememorar as origens das
discórdias entre israelitas/judaítas e edomitas. Afirma SCHÖKEL (2002, p. 2224)
que “segundo a tradição, a relação entre Israel e Edom remonta os irmãos gêmeos
Israel e Esaú (Gn 25-27), antecessores de ambos os povos”, filhos de Isaque,
filho de Abraão. Segundo Gênesis 25,23 viveram os povos que descenderam de Esaú
(Edom[1]) e Jacó (Israel[2] e Judá), sendo o primeiro
por vezes posto em posição submissa e por vezes rebelde em relação ao segundo. São vários os desentendimentos e embates
entre os povos:
1)
Nascem os filhos gêmeos de Isaque e Rebeca, onde há a promessa que o
mais novo, Jacó seria maior e subjugaria o mais velho, Esaú (Gn 25,23);
2)
Esaú vende o direito de sua primogenitura chantageado por Jacó por um
prato de comida após voltar de um dia de trabalho;
3)
A despeito do desejo de Isaque, mas em direção ao que havia sido
prometido no nascimento dos gêmeos, Jacó com o auxílio de sua mãe Rebeca rouba
a bênção que seria dada da Esaú, o que incita o ódio deste pelo seu irmão;
4)
Anos mais tarde há a reconciliação entre os dois, contudo cada um segue
seu caminho, Jacó desce ao Egito e Esaú permanece na....;
5)
Na entrada do povo de Israel na terra, vindo do Egito, este pede
passagem pelo território dos edomitas, pedido que foi negado com veemência e
certa ameaça (Nm 20,18.20);
6)
Sob o reinada de Saul Israel faz guerra com os povos a terra, inclusive
os edomitas e sai vitorioso (1 Sm 14,47);
7)
Sob o governo de Davi, os israelitas conquistam Edom que passa a ser
território anexado à Israel (2 Sm 8,13-14);
8)
Edom se rebelou contra Israel quando reinava Salomão (1Rs 11,14.25)
9)
Edom conseguiu independência quando Judá estava sendo governada por
Jorão (2Rs 8,20-22);
Se não bastasse
todo esse histórico de atritos entre os dois povos, a relação entre as duas nações
irmãs se estremeceu para sempre quando os Edomitas se aliaram a Babilônia por
ocasião da queda de Jerusalém;
1)
Israel se revolta contra a Babilônia, que reage de forma branda levando
Joaquim para o exílio, mas deixando a administração com Sedecias (2Rs 24).
2)
Uma nova revolta acontece e desta vez a Babilônia não age
benevolentemente e destrói completamente a Jerusalém e leva o povo ao cativeiro
(2Rs 25,8-10);
Como se vê no
relato bíblico há uma forte presença e participação dos edomitas a época da
queda de Jerusalém assim nos conta Obadias nos versos 11 ao 14, mas em outros
textos esse fato é lembrado como em Amós 1,11 “Assim diz Javé: Por três crimes
de Edom e pelo quarto, eu não vou perdoar: porque perseguiram seus irmãos com a
espada, sem ouvir a voz do sangue fraterno, e porque acenderam a raiva para
sempre, guardando ódio eterno.[3]” No registro dos Salmos
137,7-9 percebe-se todo o rancor que ficou da relação entre as nações:
“Javé, pede
contas aos filhos de Edom no dia de Jerusalém, quando diziam: “Arrasem a
cidade”! “Arrasem até os alicerces”! Ó devastadora capital de Babilônia, feliz
quem lhe devolver o mal que fez para nós! Feliz quem agarrar e esmagar seus
nenês contra o rochedo!”
O ódio
demonstrado aqui da parte de um israelita em direção a um edomita encontra
reciprocidade como afirma Ezequiel sobre Edom no capítulo 35 verso 5: “Você
cultivou ódio eterno e entregou os israelitas ao fio da espada, no tempo que
estavam na desgraça, no dia do castigo final.” De certo os edomitas tinham
também seus motivos legítimos de ódio para com seus irmãos israelitas.
Não há muitas
informações sobre o escritor do livro, segundo WlLSON (2006, p. 334) “se os
profetas escritores pré-exílicos de Judá podem ser discernidos somente de forma
vaga nos textos, os exílicos e pós-exílicos são quase que invisíveis.” Mas
acredita-se que Obadias não está entre os deportados e é um dos que ficam na
terra após a destruição de Jerusalém, “muitos biblistas afirmam que Abdias foi
um poeta cultual ligado ao Templo de Jerusalém antes da sua destruição” (PAZDAM
apud BERGANT & KARRIS, 2010, p. 117). Sendo assim, ele foi uma testemunha
ocular do que ocorreu e um que sofre na pele as conseqüências da derrota.
Segundo ROSSI (2006, p. 11), o profeta “não teoriza e muito menos faz abstrações
acerca da situação dolorosa que vive seu povo. Não, suas palavras estão
encravadas na paisagem de dor e destruição que ele próprio com seus irmãos
viveram”.
AS ORIGENS DO MAL
No texto de Obadias a profecia sobre Edom é drástica, não
haverá escapatória e a graça de Deus não os alcançará, mas qual é o motivo
interno que encaminhou Edom para este cenário de desgraça?
O primeiro motivo nos faz lembrar Provérbios 16,18 “A
soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda.” Isto está
muito claro no texto de Obadias. Edom, devido a sua posição geográfica,
demonstrava uma atitude arrogante (verso 3) como se nada ou ninguém fosse capaz
de alcança-lo. Como relara ROSSI (2006, p. 16) Edom “está incrustado em zona
montanhosa e escarpada, e é ainda cortado por vales estreitos e profundos... é
território de difícil manobra militar e suas fortalezas são, praticamente,
inacessíveis”.
Esse sentimento levando a ruína para quem o cultiva já
era do conhecimento do profeta. Quando os jebuseus estavam ocupando Jerusalém
fizeram pouco caso do exército de Davi, garantidos pela localização geográfica
da cidade como vemos na narrativa de 2 Samuel 5,6-7:
Davi marchou
com os seus homens sobre Jerusalém, contra os jebuseus que habitavam o
território. Os jebuseus disseram a Davi: “Não entre aqui, porque bastam os
cegos e os aleijados para o repelir”. Era a maneira de dizer que davi não
entraria na cidade. Mas Davi conquistou a fortaleza de Sião, que ficou sendo a
cidade de Davi.
O destino de Edom
não seria diferente dos jebuseus e sua arrogância seria o que os levaria ser “a
menor das nações, dentre todas a mais desprezada” (verso 2).
O segundo motivo
que o profeta aponta como origem a desgraça de Edom é a violência, como relata
os versos 8 até o 10:
E não é que nesse dia – oráculo de Javé – eu vou acabar com os sábios de
Edom, com a inteligência da montanha de Esaú? Seus heróis, ó Tema, se
acorvadarão, de modo que todo homem será eliminado da montanha de Esaú. Por causa do morticínio e da violência
praticada contra seus irmão Jacó, a vergonha cobrirá você, e você será
eliminado para sempre. (grifo do autor)
Como evidencia
ROSSI (2006, p. 21) a “violência e o morticínio são as causas das desgraças que
se abatem sobre Edom. A vergonha é a consciência tanto da culpa como da derrota
merecida”. Podemos constatar, na leitura deste trecho de Obadias, a
inteligência (ou sabedoria) e a coragem militar dos edomitas não foi utilizada
para o bem, mas para a promoção do mal. A ajuda dos filhos de Esaú certamente
foi definitiva como ressalta ROSSI (2006, p. 24) “certamente os babilônios não
estavam bem informados sobre os pontos fracos de Judá. Nesse sentido, os
edomitas poderiam prestar grande serviço estratégico à Babilônia”, nisto se
legitima a grande cumplicidade de Edom na queda de Judá e sua sentença dada por
Javé.
O ESCÂNDALO E A DENÚNCIA DO PROFETA
Solidariedade, esta é a palavra chave daquilo que se
esperava de Edom. Apesar de todo o histórico de desentendimentos desde os
patriarcas dos dois povos, é claro que a expectativa do escritor era de uma
postura mais nobre dos irmãos edomitas.
Mas ao invés de
solidariedade o sentimento que norteou as ações dos edomitas foi a vingança,
isto é o que escandaliza do profeta como aponta ROSSI (2006, p. 15): “a
violência maior não está nos atos assassinos dos exércitos da Babilônia, mas
sim no povo irmão que age como inimigo”. De fato é razoável que a babilônia
respondesse com toda força ao segundo levante israelita, mas a falta de
solidariedade da nação irmã, a sua incapacidade de associação e ausência de
qualquer sentimento fraterno constituiu num fato gerador de grande mágoa
denunciada por Obadias.
Já lemos que não
é só Obadias que se escandaliza com essa postura dos edomitas, mas também Amós
(1,11), Ezequiel (25,12-14;35,5), se escandalizam e denunciam o sentimento
vingativo de Edom surdo ao apelo do sangue fraterno. “Nessa situação, em que a
dor se faz mais forte do que nunca, é que percebemos o profeta Abdias abrindo
os olhos, a fim de notarmos algo de extrema importância: a violência vem
acompanhada de falta de solidariedade” (ROSSI, 2006, p. 15). PAZDAM apud
BERGANT & KARRIS (2010, p. 117) nos trás a informação de que “há até uma
alegação de que os edomitas incendiaram o Templo (cf. 3Edr 4,35).”
EXPECTATIVA DE UMA JUSTIÇA DIVINA
Toda essa triste
história de desentendimentos entre irmãos que constatamos quando lemos a
história desses dois povos desencadeia numa espiral de ódio e vingança. E como
afirma ROSSI (2006, p.26) “vingança atrapalha a vida das pessoas e as destrói
por dentro”. Percebe-se tanto do lado de edomitas como por parte dos judaítas
uma incapacidade de esquecer, superar ou perdoar erros antigos gerando esse
círculo vicioso de ódio e violência onde um se alegra com a desgraça de seu
irmão.
Se observarmos há
uma desproporcionalidade na reivindicação de Obadias no verso 15 de Edom ser
retribuído por Deus tal fez à Judá se recordarmos que quando Davi subjugou Edom
matando todos os homens de Edom nada foi feito e ninguém se levantou para
defendê-los.
É possível identificar
que Javé é fiel ao seu povo escolhido e não muda de lado, tal como Edom fez.
Por isso nos versos 17 e 18 é apontado que “a “casa de Jacó”, que representam
as tribos do Reino de Judá, e a “casa de José” que representa as tribos do
Reino de Israel, serão juntas vencedoras sobre Edom, que deixará de existir”
(ROSSI, p. 28). Conforme PAZDAM apud BERGANT & KARRIS (2010, p. 117)
verdadeiramente experimentou a aniquilação uma vez que “depois de 450 a .C., o nome Edom
desapareceu dos resgistros históricos. Durante o reinado de Herodes Magno (37-4 a .C.), entretanto, o
território designado Edom recebeu o nome de Iduméia”.
Não obstante, no
verso 16 a
justiça divina também se aplica ao povo escolhido de Deus, vamos tomar por base
a tradução da Bíblia do Peregrino que assim traduz o texto: “Assim como
bebestes em meu monte santo, beberão todas as nações por sua vez, beberão,
consumirão e desaparecerão sem deixar rastro.”. Segundo o comentarista da
Bíblia do Peregrino, SCHÖKEL (2006, p. 2226), “podemos imaginar que o primeiro
“bebestes” refere-se aos judaítas, que já beberam até o fim a taça do castigo.
Edom seguirá junto com as outras nações”. Este castigo aos judaítas, assim
interpreta o autor deste artigo, ser o castigo legítimo e merecido aos judaítas
não só pelo afastamento do povo da vontade de Javé, mas também castigo por ter
subjugado tantas vezes de maneira tão dura ao seu irmão Edom.
Assim vemos que
Javé se põe fielmente ao lado do seu povo, porém não se permite ser injusto não
dando a devida retribuição aos seus filhos pelo mal que causaram uns aos
outros.
CONCLUSÃO
Sem uma aplicação pastoral, para o “chão” da comunidade
cristã, toda a interpretação se torna fazia. É inútil qualquer esforço
exegético se este não vier acompanhado de uma hermenêutica que dê conta de
comunicar a nós hoje. E quando pensamos nisto, vemos que o Livro do Profeta
Obadias é de uma riqueza inesgotável para se trazer uma reflexão profunda dos
relacionamentos, que não só limitaria aos relacionamentos fraternos, mas a
todos os relacionamentos interpessoais para que sejam norteados pela
fraternidade, solidariedade em prol da promoção da justiça em detrimento da
opressão dos poderosos.
Outro sentimento que podemos notar no escritor de Edom
seria de confiança em Javé, notem que “a descrição da queda de Edom, assim como
e restabelecimento de Judá e sua dominação, testemunha a fé no poder do Deus de
Israel, capaz de dominar as nações e de proteger seu povo” (MACCHI apud NIHAN,
MACCHI & RÖMER, 2010. p.509).
Seja viva nas nossas mentes e corações essa mensagem por
mais fraternidade e solidariedade entre os homens.
BIBLIOGRAFIA
BERGANT, Dianne; KARRIS,
Robert J. (Org.). Comentário Bíblico.
Vol. 2. 5. ed. Trad. Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Loyola, 2010. 448 p.;
BÍBLIA. Português. Bíblia
do Peregrino. 2. ed. Tradução
Bíblia do Peregrino. São Paulo: Paulus, 2006. 3055 p.;
BÍBLIA. Português. Bíblia
Sagrada. Tradução CNBB. São Paulo: Paulus, 1991. 1631 p. Edição Pastoral;
RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel; NIHAN,
Christophe (Org.). Antigo Testamento história,
escritura e teologia. Trad. Gilmar Saint Clair Ribeiro. São Paulo: Loyola, 2010. 847 p.;
ROSSI, Luiz Alexandre Solano.
Como Ler O Livro de Abdias Profeta da
Solidariedade. 2. ed. São Paulo : Paulus, 2006.
29 p.;
WILSON, Robert R. Profecia e Sociedade no Antigo Israel.
São Paulo: Targumim/Paulus, 2006. 384 p.
[1] Edom, vermelho nome pelo qual é identificado o povo
descente de Esaú talvez pelo fato de ser ruivo (Gn 25,25), ou ainda pela cor do
guisado oferecido à ele por Jacó por ocasião da venda de sua primogenitura (Gn 25,30).
[2] Nome de Jacó que foi mudado após o episódio em
Peniel (Gn 32,28).
[3] Todos os textos bíblicos deste artigo fora retirados
da Bíblia Sagrada Edição Pastoral (Paulus), exceto quando mencionada outra
tradução.
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